Sempre imagino a cena do dia que não estarei mais em carne e osso neste mundo, e ao chegar lá no céu, no local da triagem, em meio a uma fila gigantesca de homens, mulheres, jovens, crianças e velhos, aguardando seu atendimento para então conhecer seu destino – céu ou inferno – quando surge uma voz avisando:
“Mães, por favor se dirijam ao embarque prioritário! Mães que também trabalharam fora, já podem entrar direto no céu!”
Ser mãe e cuidar de uma vida, já é uma tarefa que merece ser santificada. Se além disto, ainda conciliou maternidade com trabalho fora de casa, merece espaço 1ª. Classe no céu, onde pela 1ª. vez ela terá prioridade sobre todos os outros deveres que sempre teve!
Enquanto isso, aqui na terra, seguimos com a crença inacreditável que mães são menos produtivas ou comprometidas do que outros colaboradores em empresas. Esta é uma das conclusões do estudo da FGV – Fundação Getúlio Vargas, realizado que aponta que:
1. Após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade não está mais presente no mercado de trabalho, padrão que se repete até mesmo 47 meses depois.
Os motivos podem ser desde a real dificuldade de conciliar a maternidade com o trabalho até a renúncia espontânea.
2. Dentre 247 mil mães, 50% foram demitidas após, aproximadamente, dois anos da licença maternidade.
Isto é um absurdo que contraria minha experiencia como diretora por mais de 10 anos, onde pude constatar que as mães são na verdade, as melhores colaboradoras:
· São mais focadas, porque querem sair no horário e ir cuidar de sua casa e família;
· Não perdem tempo com fofoca na mesma proporção que seus pares, porque estão mais preocupadas com o bem-estar de seus filhos do que com o fulano ou cicrana estão fazendo;
· Tem uma capacidade enorme de fazer muitas coisas ao mesmo tempo;
· O senso de responsabilidade é muito maior, por 2 razões: são responsáveis por vida(s) e se estão ali trabalhando, normalmente também precisam do salário para sustentar seu(s) filho(s).
A maternidade é um tsunami na vida do casal e ainda maior na vida da mãe.
Cientes dos desafios de conciliar a vida profissional a maternidade, 47% das pessoas analisadas renunciaram a oportunidades de promoção em sua própria empresa ou em outras organizações, porque teriam dificuldades para conciliar a rotina de casa com as demandas que a oportunidade exigia.
O novo levantamento da *Nielsen sobre as mulheres brasileiras realizado em parceria com o Opinion Box, empresa de pesquisa de mercado, é que 75% das mulheres afirmam que a gravidez é usada como razão para questionar seu trabalho, e 88% acreditam que a possibilidade de engravidar é considerada um motivo para não as contratar. Por conta disto, 50% das mulheres afirmaram que sentem medo, justamente pela discriminação que ocorre no mercado.
Infelizmente, pela minha experiencia, a discriminação não é exclusivamente proveniente dos homens: presenciei algumas executivas discriminando mães na contratação, e não somente elas: discriminando mulheres sem filhos recém-casadas ou em idade ao redor de 35 anos, pelo risco de engravidar. Repito: não é um problema de machismo, é estrutural.
Não por acaso, devido a este cenário horripilante, 45% das mulheres demoram cerca de 3 meses para retornar às suas atividades profissionais, apesar de ter direito a 6 meses. A lei que deveria proteger as mães, acaba por se tornar uma ameaça ainda mais forte de demissão, seja porque neste longo período ela pode ser substituída por alguém de forma permanente, ou por sentir-se já desatualizada e “fora do jogo” depois deste tempo.
De nada serve mudar leis sem mudar a mentalidade instalada nas pessoas.
Os dados revelam que nas entrevistas de emprego 75% das mulheres são perguntadas se tem filhos em processos seletivos, contra 69% dos homens. Além disso, 52% delas afirmam terem sido questionadas sobre onde deixariam seus filhos durante o trabalho, e 23% disseram que esse tipo de pergunta gerou desconforto na entrevista, obviamente.
Somos o grupo que dominou o planeta apesar de não sermos como raça, os mais fortes ou os mais rápidos. Dominamos o planeta porque um serzinho chamado “mãe” abdicou de sua própria parte da existência em prol da humanidade, desempenhando papel de médica, professora, terapeuta, juíza, etc. Me parece absolutamente incoerente classificar este super-ser-humano chamado “mãe” como inferior ou menos competente.
Ser mãe é fazer um MBA em liderança, finanças, gestão de tempo, liderança, desenvolvimento humano, priorização de tarefas e paciência.
Ter me tornado mãe só impulsionou minha carreira! Por isto faço questão até hoje de priorizar mães em contratação, na contramão do mercado.
Paciência é que, nós mães, já não temos mais com esta mentalidade injusta de discriminação.
Deve caber a mulher o direito de escolher qual seu ritmo de trabalho após a maternidade, concorda?
*A pesquisa, realizada entre fevereiro e março de 2022, foi feita com mil pessoas maiores de 18 anos de todo o Brasil, das quais 69% eram mulheres, 24% homens e 7% preferiram não responder seu gênero.